30 de março de 2014

O salto da prancha

O salto da prancha
 
Depois de um Inverno, em que a chuva não dá tréguas, assim que começa o bom tempo, só queremos aproveitar o sol.
A piscina exterior já estava aberta ao público e um grupo de alunos estava a saltar da prancha. Maria João sentou-se numa das cadeiras, situadas debaixo de um dos três chapéus de sol que havia daquele lado. Escolheu uma cadeira perto da piscina porque gostava da proximidade da água – de um azul tão cristalino – que lhe fazia lembrar o mar (que saudades já tinha dele!) Sentou-se de frente para a piscina e para a prancha – bastante mais alta que a da piscina interior, de onde ela costumava saltar quando andava na natação.
Pousou o livro que trazia para ler, em cima da mesa e deixou-se levar pela música que saía daquela piscina em forma de guitarra: imaginou-se num hotel, no algarve, numas férias muito românticas, no primeiro ano de casada. Estava deitada ao lado do marido, numa das quatro espreguiçadeiras do seu lado direito, com o braço dele por cima das costas dela. Por momentos, esqueceu-se das complicações da sua vida (da crise do casamento, da traição do marido…) enquanto se deliciava com a música que continuava a sair daquelas cordas da guitarra. Gostava de poder reencontrar o marido – aquele com quem casou; talvez até conseguisse saltar com ele daquela prancha tão alta…
Maria João levantou-se: desceu até ao 3º degrau da piscina, molhou os pés e viu Ana Rita, a sua vizinha, em cima da prancha. Curiosa, voltou a sentar-se na cadeira.
Ai, meu Deus, esta prancha é tão alta! De lá de baixo, da piscina, não me parece assim – agora é tarde para desistir, mas talvez o vá fazer. Não sei se consigo saltar, é difícil olhar para baixo: sinto vertigens. Esta distância, este friozinho na barriga – estou tonta e tenho as pernas a tremer –, este vazio até à água…
Quando a professora disse, hoje, que íamos saltar da prancha mais alta, as minhas colegas disseram logo que não queriam; elas é que estavam certas. Eu, armada em forte, fui a única das raparigas que aceitou saltar com os rapazes.
Já vejo o vermelhão que vai ficar na minha pele, se eu entrar mal e cair de “chapão” na água; já sinto a dor na barriga, ou no peito, ou talvez nas pernas. Já estou a ouvir os meus amigos, amanhã à noite, na festa, a gozarem com as minhas nódoas negras – mas gosto de desafios. Só custa o impulso, aquele momento, depois, nem dá tempo de pensar em mais nada. Adoro a sensação de entrar na água e deslizar… ir ao fundo da piscina e voltar a subir.
- Coragem, Ana Rita, mostra do que és capaz! – Pensei eu.
Um salto para a água despertou Maria João, deste sonho – tão longínquo quanto impossível: ainda amava o marido, mas ele já não era o mesmo. A sua vida estava um lixo – como aquele que estava nos dois caixotes, do seu lado esquerdo, encostados à vedação.
- Olá, Ana Rita, estive aqui sentada a observar-te!
- Olá, vizinha, por aqui?
- Vim matar saudades da piscina.
- Também andaste aqui na natação?
- Andei, mas antes só havia uma prancha, a mais baixa, não havia aquela alta. Senti orgulho de ti, ao ver-te em cima da prancha, achei-te bastante corajosa: logo tu que até tens vertigens. As pessoas estavam a dizer que tu estavas insegura e com medo; pois, com aquela altura… eu é que não era capaz de lá subir, quanto mais saltar! Tu és sempre tão decidida, que eu cheguei a pensar que chegavas lá e saltavas logo, sem medo. Porque estavas tão hesitante?
- Não era medo, era receio de me magoar e depois não poder ir à discoteca, amanhã. Um amigo meu faz anos e eu quero muito lá ir.
- Como estão as coisas com o teu pai, está tudo bem?
- Mais ou menos, não é fácil viver numa casa, onde as pessoas pouco falam e parecem umas estranhas; uma casa, onde a maior parte dos dias são cinzentos. Um dia, vou conseguir ter a minha própria casa e convidar-te para tomar um chá. Um dia, vou acordar com o barulho do mar; vou abrir a janela, respirar maresia e ver o lindo sorriso do sol.
- …
- Enquanto esse dia não chega, vou aguentando.
- E o tal rapaz? Aquele de que tanto falas!
- O João Miguel? Esse vai lá estar amanhã. Ele é tão romântico, adoro a poesia que ele escreve. Penso que desta vez vou acertar. Sabes que eu ganhei uma viagem a Paris, lá na agência? Paris convida ao romance e a passeios de barco pelo Sena… e eu vou precisar de companhia. Vou aproveitar para tirar umas fotos, depois mostro-te.
- Adeus, Ana Rita, gostei de falar contigo. Já agora, bonito salto, parabéns!
- Obrigada, vizinha!

Dina Rodrigues
09/03/2014

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